As Aventuras dos Irmãos Wachowski no Cinema Simplório

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Um domingo de sol escaldante num final de semana preguiçoso típico do Juazeiro do Norte, cinco amigos decidiram se encontrar para assistirem a um filme juntos. Pela primeira vez eu visitei a nova morada do meu amigo Monstro, e após jogarmos umas partidas de Ultra Street Fighter IV e assistirmos a três episódios de As Terríveis Aventuras de Billy & Mandy enquanto esperávamos Zubat aparecer, partimos para o prato principal da tarde: Cloud Atlas, 2012; último filme dos Irmãos Wachowski antes de Jupiter Ascending, e um dos meus filmes favoritos de todos os tempos.

O filme segue seis linhas de história distintas, separadas através do tempo e do espaço, que se ligam em detalhes tênues e intrincados para, entre sequências de ação alucinantes e um suspense sufocante, acariciar diversas faces de uma mensagem tocante e delicada: nossos futuros e o de todo o mundo são construídos todos os dias, passo a passo, através de pequenas decisões e atitudes. Afinal, nossas vidas não nos pertencem; do útero ao túmulo, estamos ligados a outros, certo, Sonmi?

Promocional do filme com Doona Bae como Sonmi-451.
Poucos prazeres da vida se comparam a assistir a um filme extraordinário na companhia de amigos que valorizam e se esforçam para entender as mensagens e a complexidade da película. A verdade é que esta maravilhosa peça de ficção baseada no livro homônimo de David Mitchell (ainda sem tradução no Brasil) foi uma das maiores decepções de bilheteria em seu ano, e se você não for muito ligado em cinema e não tiver uma atenção especial para filmes deste tipo, é bem fácil que nunca tenha ouvido falar de Cloud Atlas. É bem fácil que esta pérola do cinema contemporâneo tenha passado despercebida sob o seu radar, escondida detrás das cortinas da baixa bilheteria e das violentas críticas negativas.


E eu lhe pergunto: por quê? Se você reconhece apenas alguns dos nomes no pôster acima, provavelmente está convencido que não se trata do elenco. Um filme com um cast estelar, incluindo Tom Hanks, Halle Barry e Hugo Weaving interpretando mais de um personagem cada, para dar vida a cenários ricamente trabalhados em efeitos visuais e aspectos culturais em níveis de detalhe tão impressionantes não pode realmente decepcionar neste aspecto. O que, então? A direção? Eu ficaria verdadeiramente surpreso se você não tivesse ouvido falar de pelo menos um trabalho dos Irmãos Wachowski: Matrix. Não. Em aspectos técnicos, este filme não peca.

O que, então? O que pode ser tão terrível neste filme que tenha decepcionado as vendas de tal forma que chegasse a prejudicar seus tão renomados diretores? O roteiro?

Sim. O roteiro.

Promocional do filme apresentando parte do elenco recorrente.
A Viagem, como ficou conhecido no Brasil, chega aos cinemas com uma avaliação total de nada menos que 66% no site especializado Rotten Tomatoes, o que é até bom para os padrões do site, não? Basta dar uma olhada nas críticas publicadas na mesma página para mudar de ideia: chamado de "nonsense", "vazio", "monótono", "risível" e "um filme interessante apenas para pessoas que não viram muitos outros filmes", Cloud Atlas começa a parecer uma má pedida para o público casual, e um filme para se evitar ao máximo. A verdade verdadeira (certo, Zachry?), porém, é um só: as pessoas que fazem essas críticas simplesmente não alcançaram o objetivo do filme.

Isso mesmo. O problema não está no roteiro em si. Está no fato de que o público é demasiadamente preguiçoso e insensível para entendê-lo.

Afinal, o que é um crítico se não alguém que lê [e assiste] com pressa e arrogância, mas nunca com sabedoria, certo, Cavendish? 

I know, I know!

Um épico baseado num best-seller mundial que cobre seis épocas diferentes, passando da ficção histórica para a ficção científica, chegando à fantasia num cenário pós-apocalíptico, envolvendo drama, ação, suspense, romance, política, filosofia, religião e inúmeras críticas e desconstruções sociais, não pode ser o tipo de filme que você vá sentar, pegar uma grande bacia de pipoca e assistir com a mesma atenção e interesse despendidos a qualquer Transformers. E é por isso, caro leitor, e só por isso, que é uma emoção e um prazer singular poder sentar-se na sala com alguns bons amigos e poder conhecê-los melhor através da identificação comum da masterpiece que se desenrola na tela. Isso mesmo: pessoas não só capazes, mas dispostas a entender, se aprofundar e se deixar levar pela verdadeira viagem de sentimentos que é uma obra ímpar no nível de Cloud Atlas.

Sei que as pessoas que não gostaram deste filme podem não se sentir muito inclinadas a mudar de opinião ou dar uma segunda chance à película após ler este meu pequeno comentário, mas não posso fazer muita coisa. Minha intenção não é mudar o pensamento de ninguém. Minhas opiniões, impressões, comentários e ações, quando vistos sob a escala apropriada, não são senão um movimento imperceptível; eu não sou nada além de uma pequena gota d'água num oceano sem limites... mas afinal, o que é um oceano, se não uma multiplicidade de gotas, certo, Dr. Ewing?

Irmãos Wachowski: muito amor envolvido.
Depois dos esforços hercúleos despendidos e os rios de dinheiro gastos em épicos como Cloud Atlas e óperas espaciais como Jupiter Ascending não terem rendido nada mais além de críticas desvairadas e nenhum prestígio em Hollywood, não é de se impressionar que os Wachowski tenham anunciado seu afastamento do cinema por tempo indeterminado. Tamanha criatividade ao mesmo tempo pop e intelectual não merece estar sendo desperdiçada onde não é reconhecida.

"Ah! Mas você viu Jupiter Ascending? Toda aquela coisa existencial de Matrix de novo! Eles também não querem inovar!"; pois é, é como disse a própria Lana sobre o assunto: Matrix foi feito um filme de profundidade filosófica e intelectual rara no cinema mainstream contemporâneo... mas as pessoas viram apenas um filme de ação. Eles resolveram tentar de novo passar a mesma mensagem, mas ninguém quis ouvi-la. Agora nós só podemos ficar na expectativa e desejar todo o sucesso possível na nova parceria dos diretores com a Netflix em seu primeiro roteiro para seriado que vem chegando aí mês que vem: Sense8. Fiquem com um trailer:



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1 comentários

  1. Cloud Atlas é mesmo um filme lindo, nem sabia que tinha sofrido tantas criticas, mas até da pra entender, é um filme que requer um esforço para ser assistido e compreendido que nem todos os tipos de públicos estão dispostos a empreender, mas vale muito a pena, eu assisti tres vezes pra entender a plenitude do peso das escolhas e ações de cada um dos personagens nos próximos senários e no final do filme, e ainda sinto que deixei alguma coisa passar, lendo o artigo fiquei com vontade de ver o filme de novo, é longo, mas são horas que eu perco com todo o prazer XD.
    Nem sabia do paradeiro dos irmãos Wachowski, mas quando vi o trailes de Sense8 casualmente no youtube, reconheci imediatamente o estilo, estou botando fé na netflix pra seriados

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